Perguntas colocadas à presidente da Junta de Freguesia do Bacelo, prof. Élia Mira:
1 - Qual a razão de uma professora de história, responsável pelo departamento de Ciências Sociais e Humanas da maior escola secundária do distrito de Évora se candidatar à presidência da Junta de Freguesia do Bacelo?
Em primeiro lugar foi o dever cívico e a convicção de que cada um de nós pode contribuir para melhorar a vida da sua comunidade. Acredito na acção, na intervenção e no trabalho em prol da comunidade, fruto de uma educação em que ao longo dos anos vi os meus pais a intervir no seio da comunidade através da Paróquia. Desde cedo, tanto a minha irmã como eu, fomos educadas para o trabalho na comunidade, num contexto específico do grupo de jovens cristãos da Paróquia de S. Brás. Em segundo lugar foi um processo natural porque desde a fundação da freguesia, em 1997, que eu tenho sido eleita para os órgãos da freguesia do Bacelo. Fui a primeira presidente da Assembleia de Freguesia no mandato de 1997 a 2001, no quadriénio seguinte integrei o executivo da Junta, voltei à Assembleia no mandato de 2005 a 2009 e finalmente surgiu, por parte da comissão de freguesia da CDU que é composta por moradores da freguesia, o convite para encabeçar a lista. Foi, deste modo, um processo natural de candidatura.
2- Dentro desse leque de razões, que ónus tiveram as preocupações sociais?
As preocupações sociais têm que estar no topo da lista de quem se candidata a um cargo desta natureza porque é onde é mais fácil intervir e onde as grandes questões da comunidade se colocam com maior premência. Sobre o orçamento da Junta é possível fazer opções e, de acordo com a sensibilidade que cada presidente de Junta tem, é possível canalizar mais ou menos fundos para apoiar a área social. Não podemos também esquecer que eu não sou apenas presidente da Junta. Sou moradora na freguesia desde 1989, sou mãe de um jovem que aqui nasceu e que desenvolveu uma parte da sua escolaridade nesta zona, e portanto conheço alguns dos problemas sociais que existem na freguesia e aos quais não é dada a necessária visibilidade. Poder intervir aqui ou ali , minimizando os problemas sociais de alguém parece dar mais sentido a este cargo a que poucas pessoas dão valor. As juntas são , hoje em dia e em muitos lados, uma pequena loja do cidadão onde as pessoas com maiores dificuldades no acesso à administração pública recorrem para serem ajudados a resolver problemas do quotidiano. Esta é uma importante função social, nem sempre conhecida da população que tem meios para resolver os seus problemas.
3 - Considera Évora uma cidade com assimetrias sociais?
Évora, é historicamente falando, uma cidade de grandes assimetrias sociais que, nos últimos 20 anos se tem esbatido mas que podem voltar a aumentar com a crise que vivemos nos últimos tempos. É uma cidade que viu crescer a sua classe média , á medida que o sector secundário e terciário foram crescendo, mas que ainda contem bolsas de pobreza sobretudo entre a população mais envelhecida e aquela que possuindo menos qualificações , fica mais vulnerável às flutuações do emprego.
4- Tem presente o número de pobres que existem na cidade e na sua freguesia?
Não me parece que existam dados concretos sobre o número de pobres porque nem sempre o conceito está bem aferido e porque existe muita pobreza envergonhada. Creio que os números que hoje possam existir representam apenas uma parte do problema real.
5- À vista de um cidadão incauto, esta cidade sugere ter uma relativa boa distribuição de riqueza, não existindo pobreza visível. Comunga deste ponto de vista?
Pode ser uma visão impressionista essa que nos dá a sensação de vivermos numa cidade sem grandes problemas sociais. No entanto, à medida que nos envolvemos mais nos assuntos da comunidade, percebemos que a pobreza está no interior das casas e não nas ruas. Apenas porque não vemos bairros com casas muito degradadas ou muitos pedintes na rua, não podemos inferir que exista boa distribuição da riqueza.
6 - A actual sede da Junta do Bacelo localiza-se num dos prédios sociais construídos pela CME para alojar famílias carenciadas. O bairro do Bacelo tem muitas famílias carenciadas? Pode avançar um número?
Não consigo avançar com um número porque mesmo entre o exemplo que aqui deram existe uma grande diversidade entre os moradores, visível na renda que pagam. Ser realojado não significa necessariamente ser muito carenciado senão vejamos, enquanto uns despendem 50 euros por mês, outros precisam de 200 ou mais euros para cumprir o contrato de arrendamento. Depende muito do agregado familiar e dos rendimentos que são auferidos. No entanto sabemos que existem famílias com muitas carências, sobretudo entre as mulheres que vivem sozinhas com filhos menores, e que dependem muito dos auxílios económicos, quer estatais quer da Paróquia, e outros que, não possuindo qualificação académica ou profissional, se encontram em situação de desemprego crónico. Existe também um segmento social que hoje em dia vive em condições de pobreza e que são os mais idosos que apenas vivem de pensões de sobrevivência. Muitos destes idosos passam fome, tal como foi indicado por um estudo realizado entre os utentes do Centro de Dia da Paróquia de Nossa Senhora de Fátima, que afirmaram não ter alimentos para o fim-de-semana, altura em que o Centro de Dia está encerrado
7 - A freguesia por si liderada tem-se empenhado, dentro do possível, na resolução dos problemas habitacionais da população? Se sim, poderia explanar como?
A Junta de Freguesia não possui competências nesta área, não dispõe de terrenos nem de imóveis. O que por vezes é solicitado é apoio para reparações nos imóveis de populações muito carenciadas que, na medida das disponibilidades financeiras, procuramos apoiar.
8- Que tipo de apoios recebem as Juntas de Freguesia por parte do Estado para o esbatimento das carências sociais e sua prevenção?
Para essas áreas específicas a Junta de Freguesia do Bacelo não recebe qualquer apoio. O orçamento é composto pela transferência de verbas do Orçamento de Estado, através do Fundo de Financiamento das Freguesias, quem em 2011 vão sofrer um corte de 8,6% ditado pelas medidas de austeridade do governo, e pela transferência de verbas da Câmara Municipal pelas competências que nos são delegadas através de protocolo. Neste último caso as verbas têm um destino muito bem delineado porque são canalizadas para as acções que estão definidas no protocolo. Quanto às verbas do FFF elas destinam-se a suportar todas as despesas de funcionamento dos serviços e que vão desde o gasto com os vencimentos do pessoal e pagamento das senhas de presença aos eleitos e ainda com as despesas de manutenção com as instalações e com a carrinha que está destinada aos transportes escolares. É desta verba, que tem que ser gerida com grande rigor, que saem os apoios que nos são solicitados.
9- De que forma esse apoio é feito chegar às Juntas e quem coordena a sua aplicabilidade prática?
Não há esse apoio....
10- Considera que na cidade de Évora as IPSS têm uma importância indispensável à vivência diária de famílias mais necessitadas?
Eu penso que são muito importantes e que serão cada vez mais importantes á medida que o Estado se vai desresponsabilizando das suas obrigações sociais em nome de uma economia mais competitiva, da estabilidade dos mercados e do euro. Estas têm sido os grandes argumentos para o Estado se subtrair às suas obrigações para com os mais carenciados, deixando assim nas mãos das IPSS uma componente muito importante no combate à pobreza e à exclusão social.
11- Que instituições de solidariedade, sejam elas públicas, particulares, paroquiais... conhece na cidade de Évora? E na freguesia do Bacelo, que instituições actuam no domínio atrás referido?
Na freguesia do Bacelo a principal entidade na prestação de serviços nesta área é a Paróquia de Nossa Senhora de Fátima, através do Centro Social e Paroquial e do seu Departamento Socio- Caritativo , o Grupo das Caritas e dos Vicentinos. Não conheço outra instituição organizada que preste serviços nesta área. A CerciDiana possui na freguesia uma unidade residencial que nós procuramos apoiar financeiramente quando para tal somos solicitados.
12- A cerci Diana, Cooperativa para a educação, reabilitação e inserção de cidadãos incapacitados de Évora, é uma instituição que tem a seu cuidado cidadãos com necessidades especiais. Considera que em Évora estes cidadãos vêem as suas necessidades respondidas?
Não tenho informação objectiva sobre essa matéria.
13- Enquanto presidente de Junta, tem conhecimento se a Associação de moradores da sua freguesia tem alguma actuação no domínio das carências e necessidades sociais? Se sim, como?
Não tenho conhecimento que a Associação de Moradores intervenha nessa área. O que nos chega através do Plano de Actividades da Associação são um conjunto de iniciativas viradas para a área do Desporto, do ensino da Música e do convívio entre os seus associados.
14- A Junta que dirige, além do domínio político-administrativo, certamente está também encarregue de desenvolver algumas actividades inclusivas para a população. De que modo nós poderemos ajudar a divulgar essas actividades, numa perspectiva social?
Nós continuamos a sentir alguma dificuldade em fazer chegar a informação à população mais carenciada porque esta não dispõe dos meios que são hoje em dia privilegiados, como são o caso da página oficial da Freguesia e a outra que dinamizamos numa rede social. A divulgação das iniciativas é feita também nos placards da Junta, que se encontram dispersos pelos bairros mas que também não são suficientes para cobrir as necessidades de informação. Assim, utilizamos muitas vezes um recurso dispendioso em termos financeiros e ambientais e que passa pela impressão de vários folhetos que são distribuídos pelos espaços comerciais e associações da freguesia. Deixo aqui as nossas necessidades, digam-me como podem ajudar.
15- A Junta do Bacelo necessita de voluntários para algum projecto?
A Junta integra o Núcleo de Voluntariado de Proximidade que procura responder, através de pequenas iniciativas, a problemas concretos como por exemplo, levar ou trazer um miúdo para a escola quando os pais não têm horário compatível, ler para alguém que está sozinho em casa. Nesta área procuramos um jovem que se disponibilize para fazer companhia a um jovem adulto que, por motivos de doença, não pode sair de casa mas que gostaria de ter a companhia de alguém para trocar ideias sobre informática e jogos. Precisamos também de voluntários para , nos períodos em que não há aulas, desenvolver alguma iniciativa para as crianças e adolescentes que ficam sozinhos em casa, e ainda para promover pequenas unidades de formação na área da informática , artes plásticas, língua estrangeira, que envolvam pessoas com baixas qualificações. Temos a noção de que esta crise trouxe novos pobres e que muitas pessoas que viviam placidamente numa classe média remediada correm riscos de cair na pobreza. Minimizar este impacto pode passar por algumas intervenções que minimizem a frustração sentida pelo desemprego e pela impotência.
16- Agora, enquanto nossa professora, que visão tem do projecto Évora Solidária e que conselhos nos deixaria?
Enquanto professora é com enorme orgulho que vejo que os meus alunos se disponibilizam para se envolverem em acções que visam melhorar a qualidade de vida dos seus concidadãos. Considero que a página que criaram na internet está bem construída e até parece que pertence a uma instituição com créditos na área. Penso que o envolvimento neste projecto vos vai proporcionar o contacto real com problemas para os quais nem sempre encontrarão solução mas que, com algumas iniciativas, talvez consigam minimizar o seu impacto na vida das pessoas que foram afectadas. Não sei se sou a pessoa indicada para dar conselhos mas deixo-vos alguns avisos , fruto da minha experiência pessoal: como em quase todos os domínios da intervenção na área sócial devem munir-se de algum distanciamento pessoal face aos problemas. Se querem intervir devem fazê-lo fugindo à subjectividade e a conceitos como caridade. Encarem esta vossa tarefa como uma obrigação que todos devíamos ter para com os mais desfavorecidos e sobretudo como uma atitude de disponibilidade para abraçar causas, mesmo quando elas não correspondem ao que havíamos planeado. Nem sempre o que nós julgamos que é o mais importante é aquilo que os outros mais necessitam. Ouvir, ouvir, ouvir, é o melhor conselho que vos posso deixar. Ouvir quem ? Em primeiro lugar os que têm experiência na intervenção social - poupa tempo e evita que se cometam erros decorrentes da boa vontade e da inexperiência . Não se esqueçam que vocês vão desenvolver um projecto durante um ano lectivo mas que a maioria destas pessoas vive há anos em situação de pobreza e que a esmagadora maioria não vê saída para esta situação. O vosso projecto passará por elas... Por outro lado grandes projectos que pretendam envolver muita gente não estão ao alcance de um grupo que apenas dispõe de boa vontade. Delimitar uma área de intervenção num núcleo pequeno, pode fazer a diferença para uma família, durante mais tempo, do que para várias mas apenas durante uma acção pontual.